"Suplemento ferro, mas nunca melhora" – o que pode estar acontecendo?
- Laura Bervian
- 14 de out. de 2024
- 5 min de leitura
É comum encontrar pacientes que, mesmo após diversas tentativas de suplementação para corrigir a deficiência de ferro, não conseguem obter os resultados esperados. Seja com anemia já diagnosticada ou com níveis persistentemente baixos de ferritina — o principal indicador dos estoques de ferro do corpo — a falta de melhora, apesar de meses ou até anos de tratamento, pode ser frustrante. A seguir, discutimos algumas das causas mais comuns para isso acontecer:
1. Forma do suplemento de ferro
Nem todas as formas de ferro são igualmente absorvidas pelo corpo. A biodisponibilidade, ou seja, a fração de ferro que o corpo realmente consegue utilizar, varia de acordo com o tipo de suplemento. O sulfato ferroso, por exemplo, é amplamente utilizado devido ao seu custo-benefício, mas pode causar efeitos colaterais gastrointestinais, como constipação e náuseas, o que leva muitos pacientes a descontinuar o tratamento. Alternativas como o ferro quelato ou ferro em comprimidos gastro-resistentes podem ser melhor toleradas, com menor risco de efeitos adversos, e podem oferecer uma absorção mais eficiente, já que o ferro quelato está ligado a aminoácidos que facilitam sua passagem pela parede intestinal.
2. Dosagem adequada: nem mais, nem menos
A regulação da absorção de ferro no corpo é controlada pela hepcidina, um hormônio produzido pelo fígado. Quando os níveis de ferro são baixos, a hepcidina diminui, permitindo maior absorção no intestino. No entanto, quando há uma suplementação com doses muito elevadas, o organismo pode reagir com um aumento dos níveis de hepcidina, "fechando as portas" do intestino para a entrada de mais ferro. Este mecanismo de feedback negativo é uma das razões pelas quais suplementar em excesso não só não ajuda, como pode piorar a absorção.
3. Problemas de absorção intestinal
Mesmo com a forma e a dosagem corretas, o ferro ingerido pode não ser absorvido se houver alguma disfunção intestinal. Condições como doença celíaca, doenças inflamatórias intestinais (como a Doença de Crohn e a Retocolite Ulcerativa), ou até disbiose intestinal — um desequilíbrio na flora intestinal — podem comprometer a absorção de nutrientes. Esses problemas podem não apresentar sintomas muito claros no início, mas afetam diretamente a capacidade do intestino de absorver o ferro e outros nutrientes. Em alguns casos, a partir da suspeita clínica, é necessário realizar exames como endoscopia, colonoscopia, ou testes de função intestinal para avaliar a integridade da mucosa e identificar possíveis causas de má absorção.
4. Sangramentos
Perdas de sangue não visíveis podem ser uma causa frequente de deficiência de ferro. No caso de sangramentos gastrointestinais, úlceras não diagnosticadas, pólipos intestinais, ou até câncer no sistema digestivo podem causar perdas crônicas de sangue. Já em mulheres, menstruações intensas, frequentemente causadas por condições como endometriose ou adenomiose, podem esgotar os estoques de ferro, tornando difícil sua reposição apenas com suplementação oral. A história clínica aprofundada nos dá muitas informações, e testes como a pesquisa de sangue oculto nas fezes ou exames ginecológicos específicos podem ajudar a identificar essas causas.
5. Infecções e inflamações
Infecções e inflamações podem "roubar" os estoques de ferro do corpo. Certos patógenos e microrganismos utilizam o ferro como recurso para se replicarem. Em resposta, o corpo eleva os níveis de hepcidina para restringir a absorção de ferro e limitar sua disponibilidade no sangue. Doenças crônicas como a hepatite e infecções virais prolongadas também podem impactar a homeostase do ferro, resultando em deficiência persistente. Mesmo em casos onde não há uma infecção visível, a presença de inflamação crônica no organismo pode ser um fator limitante para a absorção de ferro. Condições como obesidade, diabetes tipo 2, ou até inflamação sistêmica de baixo grau (muitas vezes causada por fatores como estresse crônico e alimentação inadequada) podem dificultar a absorção de ferro, mesmo quando há suplementação.
6. Fatores alimentares: o que comer (ou evitar)
A alimentação pode tanto ajudar quanto atrapalhar a absorção de ferro. O consumo de vitamina C junto às refeições, por exemplo, aumenta significativamente a absorção do ferro não-heme (o tipo de ferro presente em alimentos vegetais). Por outro lado, substâncias conhecidas como antinutrientes, presentes em alimentos como cereais integrais e leguminosas, podem inibir a absorção do ferro ao se ligarem a ele no intestino. O consumo de cálcio, seja em forma de suplementos ou em laticínios, também pode competir com o ferro pelos mesmos transportadores intestinais, prejudicando a absorção.
7. Deficiência de outras vitaminas e minerais
A absorção e utilização do ferro no corpo dependem de outros nutrientes, como vitamina B12, ácido fólico e zinco. Deficiências nesses nutrientes podem interferir na produção adequada de hemoglobina e na absorção do ferro. Por exemplo, a deficiência de vitamina B12 pode levar a um tipo de anemia chamada anemia megaloblástica, que muitas vezes é confundida com anemia por deficiência de ferro, mas requer um tratamento completamente diferente. Avaliar esses outros parâmetros pode ser necessário para um diagnóstico preciso.
8. Via oral x endovenosa: quando mudar a estratégia
Para algumas pessoas, especialmente aquelas com problemas intestinais significativos ou má absorção persistente, a suplementação oral pode ser insuficiente. Nesses casos, a administração de ferro por via endovenosa pode ser uma alternativa mais eficaz. A infusão intravenosa permite uma correção mais rápida e eficiente da deficiência de ferro, já que não envolve o intestino e fornece o ferro diretamente à circulação sanguínea. Estudos mostram que, em casos de má absorção ou sangramentos intensos, o ferro endovenoso pode ser a melhor estratégia para recuperar os níveis de hemoglobina e ferritina de maneira mais rápida.
9. Condições genéticas: talassemia e anemia falciforme
Algumas condições genéticas, como talassemia e anemia falciforme, afetam a produção de hemoglobina e a forma como o ferro é utilizado pelo corpo. Na talassemia, por exemplo, o corpo pode apresentar uma deficiência funcional de hemoglobina, mesmo que os níveis de ferro estejam normais ou elevados. Esses pacientes podem acabar acumulando ferro em excesso com a suplementação, mas não corrigem a anemia. Por isso, é fundamental investigar doenças genéticas quando a anemia persiste.
A importância de identificar a causa raiz
Corrigir a deficiência de ferro exige mais do que apenas suplementar continuamente sem entender o que está por trás do problema. É fundamental investigar a causa raiz — seja ela relacionada à absorção intestinal, sangramentos ocultos, infecções ou outros fatores. Continuar suplementando sem tratar o motivo subjacente é como enxugar o chão molhado enquanto a torneira continua aberta. Um acompanhamento médico cuidadoso, com uma avaliação integral dos sintomas e dos exames, pode ajudar a encontrar a solução mais eficaz para cada paciente.
Um acompanhamento médico com um profissional que compreenda esses mecanismos de forma integral pode te auxiliar a construir um estado de mais saúde e bem-estar, com orientações individualizadas relacionadas ao estilo de vida, plantas medicinais/fitoterápicos, suplementos, ou medicações. Caso desejar mais informações sobre a Consulta Médica entre em contato clicando nesse link.
Dra. Laura Bervian
CRM-SC 30368
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